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8 perguntas sobre a Teoria dos Quadros Relacionais... RESPONDIDAS !

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Como entender o comportamento verbal? De que forma criamos conhecimento? Qual a relação entre linguagem, cognição e cultura? 

Essas são algumas das questões-chave que os behavioristas que pesquisam a Teoria dos Quadros Relacionais (TQR), tentam responder.


Já fiz outro post sobre a TQR, aqui. Mas nele eu apenas a apresentei como algo que substituía a teoria da Equivalência de Estímulos. Lendo o livro sobre TQR escrito pelo próprio Steven Hayes vi que o buraco era bem mais embaixo. 



A começar pelo próprio subtítulo do livro: "Uma abordagem pós-skinneriana para a linguagem e cognição humana". Ou seja, o livro propõe algo que pode, inclusive, superar as proposições iniciais de B. F. Skinner (ou melhor, partir delas para chegar além delas).




Deu pra ver que é complexo, né? E espinhoso. O próprio Hayes, ao longo do livro, fala diversas vezes que não quer superar o Skinner, que tudo é feito no maior respeito, etc (Ele sabe que a comunidade skinneriana é bem conservadora).



Como é o tema é bem complicada, resolvi fazer um resumo diferente desse livro, no formato de perguntas e respostas.

Vamos lá.


1 - A TQR supera o que Skinner falou sobre comportamental verbal?

Em 1957 Skinner publica seu "Verbal Behavior". Nesse genial livro, Skinner em resumo:

a) apresenta o comportamento verbal como comportamento, afetado pelas mesmas leis de todo comportamento

b) descreve e classifica os principais operantes verbais (tato, mando, intraverbais, eco, etc)

c) fala sobre a análise funcional do episódio verbal total

d) delimita como funciona a formação de sentenças, da gramática (autoclíticos).

IMPORTANTE: A TQR mantém esses 4 pontos do Skinner. Apenas diz que eles não são o bastante para explicar o comportamento verbal.

Só que esse livro do Skinner não despertou a atenção que prometia, segundo Hayes. Os próprios behavioristas o receberam de forma morna. A prova disso é que poucos programas de pesquisa surgiram baseados nesse livro, e bem poucas aplicações práticas existem até hoje, 50 anos depois!

Contudo a partir dos anos 1970 cada vez mais pesquisas começaram a ser feitas sobre a relação entre comportamento governado por regras, cognição e comportamento verbal. Inclusive feitas pelo próprio Skinner (que praticamente não tocou nesse assunto 20 anos antes, em "Verbal Behavior").

O fato é que a comunidade behaviorista deu mais atenção a pesquisas "sobre regras". E o próprio Skinner chegou a dizer, pouco antes de sua morte, que esse era o futuro do estudo do comportamento verbal, aponta Hayes.

A teoria da Equivalência de Estímulos foi uma dessas  "pesquisas sobre regras" que surgiu. A TQR é outra, só que mais atual e, em tese, mais eficiente.


2 - A TQR é mais eficiente pra explicar o comportamento verbal que a Equivalência de Estímulos?

Como eu já disse, já fiz disso tema de um post (Confira!).

O que Hayes aponta é que a TQR explica tudo que a Equivalência explica e faz melhor, indo também além. Claro que a TQR é mais complicada de entender por causa disso, e não uma teoria facinha de pegar. Ou seja, ganhou-se eficiência mas acrescentou-se dificuldade para compreender o ferramental.



3 - A TQR é mesmo uma teoria behaviorista radical? Olha lá... Ouvi dizer que é "meio cognitivista", viu?


Sim, behaviorista. Hayes a classifica como uma autência "análise pragmática da linguagem", fortemente baseada no Contextualismo Funcionalista, bem como no próprio B. F. Skinner. (Hayes passa o livro todo fazendo uso de termos skinnerianos, como "tato", "mando", etc).

Em alguns trechos do livro Hayes chama os Quadro Relacionais de "quadros cognitivos", mas isso só quer dizer que ele estão associado à cognição, isto é, a criação de conhecimento. Isso não significa que a abordagem é cognitivista!

Aliás, tal abordagem deixa a Situated Cognition no chinelo, viu? Na contra-capa do livro, aliás, um comentário chama a atenção: "Se Noam Chomsky tivesse conhecido a TQR há décadas atrás, a história do Behaviorismo Radical teria sido bem diferente".



4 - Tá bom, tá bom... O que é um quadro relacional, afinal de contas?

O cerne da TQR é pesquisar a lógica de como funcionam as regras da linguagem. Isto é, como formamos conhecimento, em sociedade, falando, lendo, escrevendo, desenhando, enfim, emitindo qualquer tipo de operante verbal (conforme descritos por B. F. Skinner)

Um quadro relacional é uma metáfora para uma relação peculiar entre estímulos e respostas. Imagine que estímulos e respostas pudessem ser representados com linhas, assim:



O quadro relacional seria, metaforicamente, o conteúdo do polígono formado pela união dessas linhas. 


OBS: Os quadros relacionais não existem por si mesmos, como entidades da mente ou no cérebro, ou algo assim. Eles são relações entre estímulos (do Ambiente) e respostas (de um Organismo que age verbalmente).

O quadro relacional acontece apenas se o contexto for formado não por estímulos isolados, mas pela relação entre eles. Nesse caso, o responder é relacional, pois diz a respeito à relação entre estímulos, não eles isoladamente.


Onde:



1) O contexto relacional é formado por relações entre estímulos (Ex: "Não a altura de Maria e Joana, mas a comparação entre suas alturas para dizer quem é a mais alta"); e/ou relações entre relações (Ex: "A categoria alta-baixa afeta outras categorias em mulheres, como porte e peso");



2) O responder relacional é um comportamento operante generalizado que nasce de um histórico de aprendizagem baseada em diversos exemplos ocorridos em diferentes contextos.  P.e., uma criança acaba aprendendo a noção de perto e longe depois que entendeu que esse conceito se aplica a objetos, pessoas, lugares, ideias, etc, em diferentes circunstâncias (em casa, na rua, no mundo, no universo, etc). Diz-se que essa criança aprendeu um "quadro relacional" que diz respeito a função "perto-longe".



IMPORTANTE: Segundo Hayes um quadro relacional é algo distinto do processo de abstração. Não se trata de meramente abstrair propriedades de estímulos, é preciso responder a relações de estímulos, e não a estímulos em si mesmos.

Agir verbalmente, isto é, emitir operantes verbais é compreendido como "comportar-se enquadrando relacionalmente". Em outras palavras, fazer uso de quadros relacionais.

Todo Quadro Relacional tem três propriedades em comum:



a) vínculo mútuo. Ex: "Joana é mais alta que Maria", logo "Maria é mais baixa que Joana".


b) combinação de vínculos. Ex: "Joana é mais alta que Maria e pessoas mais altas em geral são mais fortes, logo Maria é mais fraca que Joana".

c) transformação de função de estímulos. Ex: "Se o estímulo X é aversivo e ele é oposto ao Y, então se o Y se tornar aversivo, X se tornará reforçador".



5 - Quantos Quadros Relacionais existem?


Não há um limite, a não ser a criatividade de uma determinada comunidade verbal. Claro que há alguns quadros relacionais que são universais, mas porque toda cultura precisa, p.e., saber dizer o que é "menor" o que é "maior".  Contingências semelhantes acometem toda cultura, por isso toda cultura forma esse quadro relacional.

Apesar do número deles ser virtualmente infinito, Hayes aponta algumas classes comuns de quadros relacionais:

- relações temporais. Ex: "Antes e depois".

- relações espaciais.  Ex: "Perto e longe".

- dêiticos (autoclíticos usados para funções gramaticais). Ex: "meu", "teu", "nosso", etc.

IMPORTANTE: É possível que em algumas culturas exista Quadros Relacionais que não existem em outras. Como no caso de certas tribos indígenas que, em tese, não conhecem o conceito de "futuro", ou "imaterial/intangível".


6 - Pera ae, esse negócio de Quadros Relacionais... Como pode algo tão simples explicar coisas complexas, como a cultura?

Regras simples geram produtos complexos porque tais regras foram aplicadas em ambientes complexos, múltiplos. A complexidade é uma propriedade emergente de relações e relações de relações que ocorrem em ambientes multifacetados.

Os quadros relacionais podem parecer simples demais, mais pense numa pessoa com diversos tipos de responder relacional no repertório, interagindo com um ambiente social farto de elementos... Isso mesmo: nessas condições a complexidade cultural "emerge", e com ela fenômenos chamados comumente de consciência, pensamento, subjetividade, etc.


7 - Que aplicações já existem pra TQR?

As principais delas estão no campo da Clínica, em especial na FAP e na ACT. Dentre elas, uma nova forma de compreender a noção de Self. Este passa a ser visto como formado por 3 processos verbais:

a) conteúdos (de relações verbais. Ex: "Eu sou um homem")

b) processos em andamento (Ex: "Eu estou sentado agora")

c) contexto verbal (Ex: "Eu falo português, e estou digitando neste momento, para leitores do meu blog que entendem português").

Além da Clínica, claro, a TQR joga uma luz nos estudos behavioristas da cultura, uma vez que estipula uma nova forma de entender o comportamento social, verbal e suas produções culturais, simbólicas.

No livro, Hayes fala de algumas aplicações para o ensino escolar, mas bem incipientes, e apenas na Educação Infantil.

Ainda vale a pena dizer que a TQR aproxima os behavioristas do estudo da cognição para além do laboratório (de forma não-cognitivsta). P.e., a TQR joga novas luzes sobre como funciona o pensar, o raciocinar, a resolução de problemas, a criatividade, etc.



8 - Ah, mas e as críticas, hein? Quais as críticas à TQR?

Hayes diz que a maior parte das críticas à TQR estavam baseadas em seu caráter especulativo. Mas foram todas sanadas porque hoje a TQR possui evidências laboratoriais (diferente de outras teorias mais difíceis de testar em laboratório, como a das metacontingências).

No mais, Hayes sugere, ao longo do livro todo, que a maior resistência à TQR não é oriunda de críticas inteligentes, mas de conservadorismo da comunidade  behaviorista, que custa a "acreditar" que, 20 anos após a morte do mestre, já existe algo pós-skinneriano.

De fato, falando com uma colega que faz doutorado em Comportamento Verbal, ouvi dela, outro dia: "Não vou estudar a TQR, porque acredito que o livro do Skinner, Verbal Behavior, já é o bastante".





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